sexta-feira, 13 de março de 2009

Tinham várias índias no meio do caminho!

Enviei a seguinte mensagem para meu querido professor José Edson Falcão:
"Caro Professor José Edson,
   Segue anexo texto para que o senhor analise a possibilidade de publicá-lo na AUN.
   A propósito, como o senhor está acompanhando a novela da Globo que fala sobre a Índia?
   Abraço!

Salomão Miranda"

A pergunta sobre "Caminho das Índias" se deve ao fato do professor Edson Falcão ser hinduísta e grande conhecedor da cultura indiana. Estava esperando uma resposta curta, mas leiam a "aula", editada para melhor entendimento geral:

"Caro Salomão,
 
É um prazer falar com vc e veicular seus trabalhos jornalísticos - isto enquanto ainda for aluno. O seu texto vai entrar ainda hoje como "comentário" na AUN [Agência Universitária de Notícias (www.ichca.ufal.br/aun)].
 
Quanto à novela Caminhos da Índia, estou acompanhando sim. Acho importante porque enfoca o Hinduísmo, que é o meu Sanatana-Dharma (não usamos a palavra religião, porque religião significa religar - do Latin religare). Entendem os Grandes Mestres Espirituais que nunca houve, em um tempo algum, rompimento do vínculo entre a divindade criadora (Brahman) e a criatura (Jiva - que é a alma imortal). Sempre que há perigo desse rompimento, um Avatar (encarnação divinda - a exemplo de Bhuda, Jesus, Alah, etc) descende ao mundo material (não só à Terra, mas todo o universo manifesto criado pelo Senhor Bhahma) para revitalizar essa relação.
 
É claro que há muitos equívos na novela, mas que não chegam a desvirtuar o conceito de Hinduísmo, os quais apontá-los somente o faria num encontro pessoal. Um deles é como está sendo enfocado o sistema de castas -brahmanaskshatriyasvaishyas e os shudras - como se não houvesse reação da intelectualidade indiana a ele. Enfim, a modernidade, com a Globalização, também chegou à "Grande Bharata", como os indianos denominam sua pátria.
 
Na Índia, existem três correntes do Hinduísmo: o brahmanismo, o vaishnavismo e o shivaísmo. São três maneiras de se relacionar com a Divindade, baseado em seus três aspectos (conhecido como Trimurti): o Deus Criador (Brahma), o Deus Perpetuador da Criação (Vishnu - que representa o Pai Eterno na Trindade Cristã) e o Deus Destruidor (Shiva). Na verdade não são três Deuses, porém Um, adorado em seus três aspectos, por si só o responsavel pela criação do mundo material e espiritual, por sua preservação e destruição (toda matéria tem seu fim, menos a alma imortal, Jiva, que sempre existiu em sua individualidade e existirá eternamente). Portanto, 1 bilhão e 100 milhões de hinduístas na Índia se dividem entre essas três correntes mencionadas - o restante 100  milhões são adeptos das religiões surfis, islâmicas, cristãs, budistas, sirkhis, etc. Os conceitos filosóficos-dhármicos são os memos, todos baseados nos preceitos védios, que é a base na qual se estruturou a sociedade indiana até os dias de hoje.
 
A Rede Globo produziu Estrela Guia (folhetim das 19h) - você lembra, protagonizada por Sandi, num dos papéis principais? Nessa novela, foi abordado o aspecto vishuísta do Hinduísmo (com o qual me identifico, como brahmana vaishnava que sou), ou seja, os ícones, os mantras cantados, os rituais devocionais (danças e cerimônias), os personagens foram calcados nessa segunda corrente hinduísta.
 
Já na atual Caminhos  da Índia, a produção não quis repetir a fórmula (penso eu) e, por isso, Glória Perez traz na sua trama personagens e famílias que são shivaístas. Os ícones que mostram são ShivaGanesha (o semideus com cabela de elefante), Kali, Dhurga, etc. Respeitamos, porém, todas essas divindades (eu até as tenho em meu altar), até porque Shiva é o protetor dos nosso templos; Ganesha (filho de Shiva e Pavarti), é a encarnação literária da Divindade: ouvindo de um sábio a narrativa do Mahabharata (a grande epopéia indiana na qual se encontra a "bíblia indiana", o Bhagavad-Gita, que significa "A Canção do Senhor") ele o compilou em sânscrito (idioma principal da Índia do qual se derivam vários outros idiomas e dialetos, mãe de todas as linguas indoeuropéias) há 5.000.
 
É isso, meu caro Salomão. Procurei sintetizar o que acho da novela atendendo à sua solicitação. Nada é perfeito, mas no aspecto cultural ela dá uma grande contribuição ao brasileiro e a outros povos em cujos países Caminho das Índias será distribuído pela Globo, que não conhecem o Hinduísmo. Mesmo com algumas distorções...
 
Já enviei pra vc e volto a enviar o endereço do site de nosso preceptor em São Paulo, Bhuvana Mohanda, com o qual vc poderá fazer questionamentos sobre a cultura védica (e falar até da novela - ele já a aborda com relação às cremações), e no qual vc tem logo abaixo, na página inicial, dois links: um para o nosso math no Brasil (é escrito em portugês) e outro para o Sri Caitanya Sarasvat Math na Índia (site em inglês), onde mora o nosso Guru Srila Govinda Maharaj. Vale a pena vc acessar, como jornalista que já é e como amante da cultura em geral. É um mundo de sensações, cores e sons incríveis! Trata-se do www.bhuvana.com.br/. Acesse-o e confira.
 
Grato pela mensagem.
 
E um afetuoso abraço do seu amigo,
 
Edson Falcão"

Muito obrigado professor!